11 setembro, 2006

11 de Setembro: por que os EUA precisam alinhar metas com a realidade?


Cinco anos após o ataque japonês contra Pearl Harbor, os Estados Unidos haviam derrotado os seus adversários e ocupado os seus territórios, tanto na Ásia quanto na Europa.Cinco anos após o discurso de Winston Churchill em Fulton, Missouri, que advertiu para a vindoura Guerra Fria, os Estados construíram a aliança da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, criaram o Departamento de Defesa e a CIA (Agência Central de Inteligência), e elaboraram uma estratégia para conter e derrotar a União Soviética.Mas, após cinco anos de guerra contra extremistas muçulmanos, os Estados Unidos -apesar do desmantelamento da rede Al Qaeda que lançou os ataques de 11 de setembro de 2001- se vê atolado em conflitos no Iraque e no Afeganistão, e engajado em uma desesperada luta militar, policial e de inteligência com um adversário que parece estar crescendo."Embora os Estados Unidos e os seus aliados tenham feito inegáveis progressos quanto à redução das capacidades operacionais da Al Qaeda, nós não esfriamos a determinação dos jihadistas, e tampouco reduzimos o atrativo representado pela ideologia da Al Qaeda", diz Brian Jenkins, da Rand Corporation, um especialista em terrorismo. "A mensagem da Al Qaeda continua a inspirar jovens raivosos a preparar e realizar ataques violentos contra populações civis. A ameaça terrorista está mais dispersa, mas ainda é letal."Daniel Benjamin, um ex-especialista do Conselho de Segurança Nacional, e atualmente funcionário do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, afirma: "Apesar de todas as suas conquistas na área de contraterrorismo, os Estados Unidos se deparam com o fato enervante de que a ideologia da jihad está se disseminando. Uma nova geração de terroristas está emergindo, com poucos laços com a Al Qaeda, mas dotada de uma visão de mundo fundamentada naquela de Osama Bin Laden, de uma guerra sem fim contra o Ocidente."O plano frustrado no Reino Unido para destruir aviões com destino aos Estados Unidos e a escalada da violência no Iraque e no Afeganistão são sinais de um adversário que não perdeu nem um pouco da sua intenção de infligir danos aos Estados Unidos e a seus aliados. Ma pesquisa realizada no mês passado pelo "Los Angeles Times" e pela "Bloomberg" revelou que apenas 23% dos norte-americanos acreditam que os Estados Unidos estão vencendo a guerra contra o terrorismo, e 57% afirmaram que ainda é muito cedo para se fazer tal afirmação.À luz desses fatos, o quinto aniversário dos ataques do 11 de setembro podem passar a ser vistos como sendo o ponto a partir do qual grande parte da elite da política externa norte-americana -se não o próprio governo do presidente George W. Bush- reconheceu finalmente que o país precisa parar de reagir e começar a fazer planos para aquilo que promete ser uma luta longa e incerta. Os Estados Unidos precisam ainda elaborar uma estratégia para sustentar uma batalha de várias gerações contra os radicais islâmicos.Bush, no mais recente de uma série de discursos com o objetivo de avivar o apoio anêmico dos norte-americanos à guerra no Iraque, disso no mês passado: "Esta é a batalha ideológica decisiva do século 21". Ele tem rotulado cada vez mais os militantes islâmicos de totalitários, comparando o conflito atual às batalhas épicas do século 20 contra o fascismo e o comunismo.Mas, além de rogar ao país que mantenha o rumo atual, ele não anunciou como essa luta pode ser vencida. Assim, os Estados Unidos e os seus aliados ingressam na próxima meia década de guerra contra o terrorismo contando apenas com uma vaga idéia de quais serão as estratégias e os custos envolvidos.John Lewis Gaddis, o proeminente historiados da Guerra Fria, definiu estratégia como sendo "o processo pelo qual os fins estão relacionados aos meios, as intenções às capacidades, e os objetivos aos recursos". Vistos sob este prisma, a Al Qaeda e grupos similares empregaram uma estratégia dos fracos. Não sendo sequer remotamente capazes de se equiparar aos Estados Unidos em poder militar e recursos econômicos, eles procuraram, por meio de atos de violência aleatórios e dramáticos, impor custos inaceitáveis sobre os Estados Unidos e os seus aliados, na tentativa de forçá-los a retirar as suas forças armadas dos países muçulmanos.Bin Laden, o ainda não capturado líder da Al Qaeda, cuja aura mística cresce a cada videoteipe, foi sincero quanto à sua estratégia na sua "Declaração de Jihad", de 1996, e em manifestos subseqüentes, nos quais zombou sistematicamente da baixa tolerância dos Estados Unidos à dor. Em um tom zombeteiro, ele citou o "caso vergonhoso" da Somália, no qual os Estados Unidos retiraram as suas tropas em 1993, face aos ataques apoiados pela Al Qaeda. "Quando milhares dos seus soldados foram mortos em pequenas escaramuças, e um piloto norte-americano foi arrastado pelas ruas de Mogadício, vocês deixaram a área levando consigo desapontamento, humilhação, derrota e os seus mortos", escreveu Bin Laden. "A magnitude de sua impotência e fraqueza ficou muito clara."Sob todos os aspectos, a estratégia da Al Qaeda parece estar funcionando. Desde aquela manhã quando militantes suicidas deixaram 2.996 corpos nas ruínas das torres do World Trade Center, no vôo 93 da United, e em uma das faces do Pentágono, quase 3.000 soldados norte-americanos morreram no Afeganistão e no Iraque. Acredita-se que o número de civis mortos nesses dois países seja bem superior a 50 mil. Em Madri, Londres, Bali, Riyadh e em outros locais, centenas de pessoas morreram em ataques terroristas planejados pela Al Qaeda, ou inspirados na rede terrorista, desde o 11 de Setembro.Em junho o Serviço de Pesquisas Congressuais anunciou que o custo acumulado da "guerra global contra o terrorismo" para o governo dos Estados Unidos era de quase US$ 500 bilhões, isso sem incluir os gastos com a segurança interna, que foram de mais de US$ 200 bilhões.Os custos que não podem ser quantificados também foram altos. A simpatia pelos Estados Unidos, algo evidente logo após o 11 de setembro, desapareceu.A invasão do Iraque, as imagens de torturas na prisão Abu Ghraib e o abuso amplamente documentado contra prisioneiros na base de Guantánamo e em outras unidades norte-americanas de detenção prejudicaram a reputação dos Estados Unidos não só no mundo árabe, mas até junto aos seus aliados europeus, reduzindo aquela autoridade moral que foi parte importante do triunfo na Guerra Fria. Somente na semana passada Bush admitiu tardiamente a existência de prisões secretas da CIA para o encarceramento de suspeitos de serem terroristas.Na Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos aliaram metas ambiciosas (a vitória total sobre o Japão e a Alemanha) a meios praticamente ilimitados (mais de um terço do produto interno bruto norte-americano foi canalizado para o esforço de guerra). Durante a Guerra Fria, Washington aliou objetivos limitados (a contenção do expansionismo comunista soviético) a meios ainda generosos (os orçamentos militares dos Estados Unidos ainda equivaliam, em média, a 7,5 do PIB do país, comparados a menos de 4% em 2005, mesmo após a mobilização que se seguiu ao 11 de setembro).Mas na luta contra o extremismo islamita, os Estados Unidos se inclinaram para uma estratégia caracterizada por metas altamente ambiciosas, aliadas a meios extremamente limitados.Inicialmente, Washington pareceu definir os seus objetivos de forma bastante específica. Quatro dias após os ataques, Bush prometeu "uma série de ações decisivas contra as organizações terroristas e aqueles que as abrigam e apóiam". A derrubada do regime taleban no Afeganistão ocorreu logo depois, assim como a captura de integrantes graduados da Al Qaeda, e ao desmantelamento das redes financeiras dos grupos terroristas. Esses golpes neutralizaram em grande parte a organização responsável pelos ataques do 11 de Setembro.Mas, por quando do seu discurso sobre o Estado da União, em janeiro de 2002, Bush expandiu enormemente os seus objetivos iniciais, prometendo "impedir que regimes que patrocinem o terrorismo ameacem os Estados Unidos e os nossos amigos e aliados com armas de destruição em massa". A Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca de 2002 - que delineou uma justificativa para a invasão do Iraque - afirmou que os Estados Unidos conteriam a ameaça das armas de destruição em massa por meio da força militar, usando ataques preventivos para "agir contra ameaças emergentes antes que elas se formem integralmente". Mas os Estados Unidos partiram para essa missão com uma força militar que jamais contou com a capacidade de controlar o Iraque após a invasão. Os dissidentes no interior do governo que sugeriram que a guerra não poderia ser vencida de forma barata foram sumariamente demitidos.A estratégia de prevenção -tão radical no seu desprezo por antigas normas internacionais contra guerras preventivas- não sobreviveu ao conflito não resolvido no Iraque, que serviu como um fértil centro de recrutamento e treinamento para terroristas. Neste ano, a Casa Branca revisou a sua Estratégia de Segurança Nacional, minimizando o papel exterminador da sua força militar, e insistindo que a batalha contra os grupos extremistas só pode ser ganha com o apoio a "movimentos e instituições democráticas em todas as nações e culturas, com o objetivo final de acabar com a tirania no mundo". Bush afirmou na semana passada: "A experiência do 11 de setembro deixou claro, no longo prazo, que a única maneira de garantir a segurança do nosso país é mudar o rumo do Oriente Médio".Embora menos fundamentada em meios militares, tal abordagem é ainda mais ambiciosa do que a estratégia preventiva, ao insistir que a segurança norte-americana só pode ser alcançada por meio da transformação de uma região que os Estados Unidos pouco entendem. Mas, foram alguns pequenos reforços ao magro orçamento do Departamento de Estado para "a promoção da democracia", o governo não desembolsou nada que esteja próximo dos recursos necessários, chegando a assumir que tal objetivo é inalcançável.Essa falta de coerência fez com que grande parte do foco se concentrasse na questão da "vontade" norte-americana - exatamente o fator quanto ao qual Bin Laden acredita que os Estados Unidos são mais débeis. Em julho, Bush afirmou que ao lidar com "a ideologia assassina" dos seus adversários, "só existe uma única resposta efetiva: nunca retrocederemos, nunca cederemos". Mas Bush não pediu ao povo norte-americano sacrifícios tangíveis em apoio a tal retórica arrogante. E, com a queda do apoio da população à guerra no Iraque, não está nem um pouco claro que ele seja capaz de cumprir o que alardeia.Enquanto a guerra contra o terrorismo prossegue aos tropeços, analistas de política externa tentam identificar como os fins e os meios possam ser equilibrados de uma forma que proporcione ao Ocidente a esperança de vitória.Nos Estados Unidos parece haver pouca disposição para intensificar os esforços no sentido de alcançar as metas de Bush. A conservadora "Weekly Standard" da semana passada chamou a guerra contra o terrorismo de uma "quase-guerra", afirmando: "Não existe uma tentativa séria de mobilizar a população em geral para que esta apóie nos nossos esforços na luta". Mas as idéias do governo para expandir essa luta não foram além de uma maior assinalação de suspeitos com bases em critérios raciais e um aumento da vigilância das comunicações.Se os meios não podem ser expandidos, a questão é como fazer com que os fins se concatenem com aquilo que os norte-americanos estão dispostos a sacrificar. James Fallows, ao escrever na revista "Atlantic", afirmou que existe um consenso crescente em meio aos especialistas em terrorismo de que os Estados Unidos deveriam simplesmente declarar vitória na guerra contra o terrorismo -tendo atingido grande parte dos objetivos no sentido de enfraquecer a Al Qaeda- "e modificar as suas operações com base em critérios de longo prazo e não emergenciais".Isso significa tratar os extremistas islamitas não como uma ameaça existencial na escala do fascismo ou do comunismo, mas sim como aversário perigoso que pode ser controlado com o uso de meios comuns de ordem militar, diplomática, policial e de inteligência.Mas cinco anos após o 11 de setembro, o governo Bush não parece pronto a adotar uma postura mais modesta e realista em relação a uma luta que não apresenta sinais de estar perto de terminar. "Nós estamos na ofensiva contra os terroristas em todas as frentes de batalha", insistiu novamente Bush na semana passada. "E não aceitaremos nada que não seja a vitória completa."

FONTE: UOL