02 outubro, 2006

Serra vence, amplia ciclos e se cacifa para 2010


Ao vencer no primeiro turno, com certa tranqüilidade, uma eleição em que sempre apareceu como favorito disparado, José Serra, 64, ganhou para seu partido o direito de completar 16 anos à frente do mais rico Estado do Brasil. E, pessoalmente, completará um vasto ciclo de experiências administrativas, impondo seu nome como um dos mais fortes para a disputa presidencial de 2010.Convicções ideológicas à parte, com o novo cargo obtido, o tucano provavelmente vai se tornar o político com maior lastro administrativo do país. Ele foi secretário de Estado (Economia e Planejamento em SP, no governo de Franco Montoro, entre 1983 e 1986), deputado federal (1986-1994), senador (eleito em 1994, ocupou o cargo de 1996 a 1998), ministro (duas vezes, do Planejamento, entre 1994 e 1996, e da Saúde, entre 1998 e 2002) prefeito (2005-2006) e, agora, governador. Ou seja, ao longo de sua trajetória, ocupou praticamente todos os cargos políticos relevantes à exceção do maior deles, a Presidência da República.
Daí o peso que a nova vitória eleitoral acrescenta ao tucano, que deixou a Prefeitura de São Paulo depois de ocupar o posto por apenas 15 meses. Com o comando do segundo maior orçamento do país aliado à imagem de eficiência que anexou a seu currículo e às expressivas votações que vem obtendo recentemente, Serra deverá ser referência obrigatória do quadro político nacional, pelo menos pelos próximos quatro anos.Derrotado por Lula na disputa presidencial de 2002, o tucano era considerado o candidato natural do partido ao Planalto neste ano. O então prefeito de São Paulo tinha mais intenções de votos do que Geraldo Alckmin e apostou que as pesquisas o alçariam à condição de postulante à Presidência. Entretanto, o então governador do Estado conseguiu mobilizar o partido, e Serra decidiu concorrer ao governo paulista.Na campanha, a atitude de faltar à promessa assinada por escrito, diante de jornalistas da "Folha de S.Paulo", de cumprir na íntegra o mandato de prefeito de São Paulo caso fosse eleito, foi utilizada à exaustão por adversários, mas não gerou grande comoção por parte dos paulistanos -apesar de seu vice e sucessor, Gilberto Kassab, pertencer ao PFL, partido com histórico fraco em São Paulo e, durante a campanha à Prefeitura, em 2004, a oposição ter utilizado acusações de que Kassab havia enriquecido ilicitamente após começar a ocupar cargos públicos.
Desde 31 de março, quando anunciou a decisão de concorrer ao governo, a vitória de Serra nunca pareceu ameaçada. Exceto por duas pesquisas, Ibope e Datafolha, realizadas nas primeiras semanas de setembro, que apontavam um crescimento de cinco pontos percentuais do petista Aloizio Mercadante, seu principal concorrente. Entretanto, no momento em que a candidatura do senador mostrava potencial para decolar, emergiu a crise do dossiê. E Serra saiu fortalecido.Os pivôs do escândalo da máfia dos sanguessugas, Darci e Luiz Antônio Vedoin, acusaram Serra de facilitar a liberação de verbas para compras de ambulância no esquema montado por eles quando o tucano era Ministro da Saúde de FHC. As acusações foram publicadas pela revista "IstoÉ" no mesmo dia em que a Polícia Federal prendeu dois petistas com R$ 1,7 milhão, dinheiro que seria usado para comprar um dossiê que incluía fotos de Serra ao lado de deputados envolvidos no esquema em cerimônias de entrega de ambulância. E do "pacote" que seria comprado por petistas fazia parte a publicação das denúncias com suposto potencial para abalar a candidatura de Serra.Poucos dias mais tarde, os Vedoin retiraram as acusações contra o ex-prefeito, apesar de manterem as denúncias acerca do envolvimento de Barjas Negri, ex-secretário executivo do tucano no Ministério da Saúde e, depois, seu sucessor no cargo, com o empresário Abel Pereira, que intermediaria a liberação de verbas. E descobriu-se que Hamilton Lacerda, ex-coordenador da campanha de Mercadante, estava envolvido no episódio.A partir daí, a campanha de Serra ganhou ainda mais força. A ponto de o tucano sentir-se confortável para participar do debate promovido pela "TV Globo" e dar-se ao luxo de referir-se ao escândalo e criticar o principal rival apenas em suas considerações finais. E, mesmo assim, de forma relativamente pouco incisiva.Assim, o filho de imigrantes italianos, que nasceu no bairro da Mooca, na zona leste da capital paulista, e é casado com Mônica Allende Serra, com quem tem dois filhos e dois netos, levará ao Palácio dos Bandeirantes seu estilo centralizador, o trabalho com fuso horário pouco usual -o tucano acorda na hora do almoço e trabalha até a madrugada- e o pó de guaraná, que costuma usar com freqüência, de acordo com reportagem da "Folha de S.Paulo".E dará seqüência à trajetória política que sucedeu o passado de líder estudantil -Serra foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1963-, exilado da ditatura -morou no Chile, onde conheceu Mônica e tornou-se mestre em economia, e nos EUA, onde fez doutourado- na década de 70 e professor da Unicamp, universidade que ainda paga quase R$ 7 mil ao governador eleito de São Paulo todos os meses.

FONTE: UOL